Primeiras Impressões – Impacto da IA no Processo Seletivo de Talento

Margarida Bessa Marques

Profissional de aquisição de talentos com experiência internacional.

Com o advento da internet e da globalização cultural e económica, e recentemente com o grande “boom” da Inteligência Artificial (IA), os hábitos, os comportamentos e a forma de pensar deverão ser ajustados a esta novíssima era tecnológica.

O mesmo se aplica ao âmbito profissional: empresas, organizações, instituições e profissionais individuais precisam de adaptar-se aos novos contextos e manter-se informados sobre o mercado, de forma a assegurarem bons resultados.

Para tal, independentemente da especificidade de cada empresa, a IA, que é, basicamente, uma infraestrutura tecnológica robusta, trouxe um novo paradigma organizacional, novas estratégias de negócio, novas metodologias, conhecimento e competências são necessárias por parte das empresas e dos trabalhadores.

Este é um dos grandes desafios dos Recursos Humanos (RH), especialmente na área de Recrutamento & Seleção (R&S).Mas, se é inegável o valor acrescentado da tecnologia nas mais variadas áreas profissionais, é, também, inegável a importância do capital humano para o sucesso empresarial e organizacional.

De que forma é então possível estabelecer uma relação equilibrada Homem-Máquina?

A expansão tecnológica veio não só permitir que o processo de candidatura se tornasse muito mais simples e acessível a nível mundial, mas proporcionar também um contacto mais direto e eficaz entre empresas e candidatos, independentemente da sua localização geográfica.

A possibilidade de nos conectarmos virtualmente permite que os recrutadores expandam o scope de pesquisa, o que por si só aumenta a probabilidade de encontrarem profissionais mais qualificados para as vagas de emprego em causa, para além da redução significativa do custo e do tempo despendidos em cada contratação.

Pese embora estas vantagens, este novo quadro não deixa de ter aspetos negativos, nomeadamente para os recrutadores, no que diz respeito ao número de currículos que recebem diariamente e, consequentemente, ao tempo que investem na revisão dos mesmos.

Mas a IA é, sem dúvida, imprescindível nesta fase mais administrativa do R&S e, por isso, a partir desta ferramenta tecnológica, deverão ser criados algoritmos para que os profissionais da área obtenham os perfis mais adequados, de acordo com os requisitos definidos para uma determinada posição.

O mesmo se aplica à atividade de sourcing que se define pela pesquisa de candidatos passivos (i.e. não se encontram ativamente à procura de trabalho) por parte do recrutador.

A IA é igualmente vantajosa em fases posteriores do processo de R&S, desde o envio de emails/ feedback aos candidatos durante o processo (o que desde logo tem um impacto positivo na sua experiência), à utilização de chatbots que vão auxiliar o recrutador a manter os candidatos devidamente informados, pelo facto de esta tecnologia permitir que o candidato obtenha uma resposta imediata.

Assim, com a implementação da IA, o recrutador consegue focar-se em tarefas mais estratégicas e que requerem input humano, bem como manter os futuros colaboradores informados e motivados ao longo de todo o processo.

A IA revela-se igualmente útil em fases mais tardias do processo de R&S, apesar de não ser ainda muito comum, seja pelo grande investimento inicial necessário para a implementação desta tecnologia seja pela falta de formação dos profissionais que vão utilizar esta ferramenta ou ainda por questões éticas e legais. 

Principalmente na fase de entrevistas, em que o candidato é sujeito a uma avaliação por parte de uma máquina, várias questões o podem preocupar: Como é que é possível uma máquina avaliar as minhas competências sem a intervenção de um ser humano? Sendo o ser humano responsável pela criação desses algoritmos, de que forma se evita o enviesamento dos dados? Como é que se garante um processo justo?

O facto de haver tanto desconhecimento e mesmo falta de transparência na implementação do processo leva a que perguntas como estas sejam feitas e, consequentemente, haja maior resistência por parte dos candidatos. Mas não só. É relevante sublinhar também que este é o mesmo receio que alguns recrutadores sentem, levando a que alguns destes profissionais assumam que o seu trabalho pode estar em risco.

E é por razões como estas que é tão urgente a criação de um enquadramento legal e ético que permita a devida regulamentação dos processos de R&S, de forma a evitar qualquer sentimento de injustiça, nomeadamente pela especificidade de valores, comportamentos e crenças inerentes a cada cultura e sociedade. 

Neste particular, cabe lembrar que a Lei da igualdade e a Lei de proteção de dados são exemplos de normas implementadas pela União Europeia com o objetivo de assegurar que o indivíduo, independentemente do género, nacionalidade, idade, etc., é tratado de forma justa, ao garantir que os algoritmos são sujeitos a avaliação constante, “treinados” de forma a que não haja qualquer vantagem competitiva para uma determinada audiência com “x” características.

É, pois, imprescindível garantir que os dados utilizados são aleatórios e abrangentes, ou estaremos, com grande probabilidade, a construir algoritmos que vão desfavorecer determinadas características em prol de outras.

É ainda de salientar que o Regulamento sobre a Proteção de Dados (RGPD), também criado pela União Europeia, engloba um conjunto de diretivas que reforçam a necessidade de transparência e explicabilidade no que diz respeito ao uso de informação confidencial do individuo.

Mais recentemente, foi aprovada a Lei da Inteligência Artificial, também pela União Europeia, exatamente para que a regulamentação neste âmbito seja bastante concreta.

Obviamente que ainda há muito trabalho para ser desenvolvido e não deveremos ater-nos somente ao enquadramento legal para que a implementação da IA nos R&S seja bem sucedida. Os recrutadores têm de investir na criação de algoritmos, juntamente com colegas de áreas profissionais diversificadas. A existência de equipas multidisciplinares irá permitir maior diversidade de opiniões, de metodologias e de dados para criar os algoritmos necessários.

A abertura para tais mudanças por parte da sociedade é igualmente crucial. Importa estarmos disponíveis para contribuir, para fazer parte da implementação destas ferramentas.

É algo desafiante, mas necessário para a nossa evolução e progresso. Exige que desenvolvamos competências alinhadas com os novos requisitos da nossa função. O medo do desconhecido não pode ser um travão. Porque a tecnologia é, essencialmente, suporte da atividade humana.

No fim de contas, somos nós que definimos as regras.

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