O que torna um CV desenvolvido com a ajuda de IA?
Nem sempre foi tão fácil como hoje construir um CV. Num passado não tão distante era comum pedir ajuda ao amigo mais talentoso, ver e tentar replicar exemplos na internet, usar a criatividade e utilizar, na forma como detalhávamos o nosso percurso profissional, uma linguagem que por si só já demonstrava um pouco mais da nossa personalidade: mais direto, mais perfecionista, mais otimista ou mais assertivo, por exemplo.
Atualmente, a Inteligência Artificial (IA) dá-nos a possibilidade de, em minutos, transformar um esboço num CV profissional, preparado para sair para o mercado laboral – otimizado para ATS (Applicant Tracking System), com as keywords certas, com a linguagem profissional correta e um design, no mínimo, aceitável, que nos poupa muito tempo investido em formatação. A IA garante que as palavras-chave para destacar as nossas características estão lá, que passa nos filtros dos sistemas de seleção automáticos de candidaturas e que chega ao recrutador.
Atualizar o currículo deixou de ser a redação de um documento complicado e passou a ser algo que executamos de forma célere e que, sem muitas delongas, nos permite ir a tempo de “não perder aquela oportunidade” que pode mudar a nossa carreira.
Outra das suas particularidades é que a IA não nos obriga a aceitarmos um “produto fechado”. Pelo contrário, permite criar uma base a partir da qual se constrói, que se ajusta, e otimiza e na qual se integra as keywords ideais para o match com cada oportunidade a que nos candidatamos. Permite também desdobrar o nosso CV em várias versões para cada necessidade: uma mais concisa, resumida e focada no essencial – para oportunidades com funções mais operacionais e menos complexas; outra mais detalhada, estruturada, analítica e rica em detalhes – para vagas que exijam provas dadas de metas atingidas ou uma grande lista de requisitos funcionais; outra intermedia, que combina as valências das anteriores e que se adapta à maioria das oportunidades.
Importa ressalvar que escolher a ajuda mais rápida, automaticamente formatada e teoricamente correta pode implicar o risco de termos apenas mais um CV semelhante, no meio de centenas de outros. Tomar como final aquilo que a IA nos dá, sem recorrer ao nosso próprio toque, implica que abdiquemos da autenticidade e da voz que o estilo de escrita, e até a escolha de layout, refletem na precisão das responsabilidades que cada experiência profissional nos trouxe. Essa falta de toque pessoal que se perde pode impedir o recrutador de avaliar elementos tão relevantes como as soft skills e o cultural fit.
Essa falta de autenticidade aumenta o risco de nos despersonalizar e robotizar. As descrições das nossas funções em cada experiência profissional tornam-se mais precisas, porque descrevem de forma técnica os inputs que demos à “máquina”. No entanto, tornam-se também mais vagas, porque carecem da sensibilidade que só nós próprios poderíamos dar-lhes.
A forma como escrevemos espontaneamente reflete a nossa capacidade de organizar o próprio raciocínio, a nossa capacidade de autoanálise e o estilo de comunicação que podemos trazer para a organização a que nos estamos a propor. As palavras escolhidas para descrever o nosso percurso profissional dizem bastante sobre nós. Sem elas, o recrutador perde a oportunidade de ler as entrelinhas de um documento elaborado por (quem sabe) o seu futuro candidato eleito, e passa a ler a interpretação “mecânica” de uma carreira profissional.
Notemos também como a dedicação na escolha e desenvolvimento de um layout feito manualmente pode transparecer dedicação e empenho. As cores eleitas ou o tipo de letra escolhido também comunicam. Se pensarmos num design mais minimalista podemos estar perante alguém mais focado e pragmático, enquanto outro mais detalhado e gráfico pode denotar um autor mais criativo.
Há, então, o risco de termos o CV competente, mas que não condiz com o profissional que se apresenta numa entrevista. Ganhamos um CV que permitiu ganhar tempo e posicionamento, mas perdemos quando chegamos a um lugar que não era para nós enquanto poderíamos estar num processo de recrutamento que condissesse muito mais com o nosso perfil.
Como quase sempre, é no equilíbrio que se encontra a melhor solução. Por exemplo, podemos usar a IA para o trabalho mais árduo de passar de um esboço a uma estrutura concisa, mas mantemos um tom de escrita personalizado e humanizado, com exemplos reais e com a emoção e paixão que toquem quem lê. O importante é que nos dê a conhecer o melhor possível e que deixem bem patente a nossa motivação, aumentando as possibilidades de alinhamento entre o nosso talento e a melhor oferta profissional para o nosso perfil.