Como detetar o uso da inteligência artificial em textos e trabalhos?

Como avaliar a proveniência de textos e trabalhos no tempo da Inteligência Artificial

Ou, dito de outra forma: como perceber se e de que forma um texto pode ter sido produzido com a IA?

⚠️ Aviso Importante

Não existe ferramenta capaz de confirmar com fiabilidade se um texto foi escrito por IA. Os chamados "detetores" geram muitos falsos positivos e falsos negativos, sobretudo em textos curtos, muito editados, ou escritos por pessoas não nativas. Use sempre múltiplas fontes de evidência e nunca baseie decisões disciplinares apenas num relatório automático.

Introdução

Nos últimos anos, a utilização da inteligência artificial (IA) generativa em contexto educativo tornou-se comum. Os alunos usam a IA para fazer resumos, ensaios ou mesmo trabalhos completos em minutos. Professores e formadores, por sua vez, enfrentam um novo desafio: como avaliar a autenticidade de um texto e garantir que o trabalho apresentado reflete realmente o esforço e as competências do estudante.

O problema é que não existe nenhuma forma 100% fiável de "detetar IA" em textos. Os chamados "detetores de IA" não apresentam provas, mas apenas probabilidades baseadas em padrões linguísticos. Isso conduz a falsos positivos, acusações injustas e uma relação pedagógica marcada pela desconfiança.

Este artigo não apresenta truques milagrosos. O objetivo é simples: explicar, de forma prática e acessível, como professores, académicos e formadores em Portugal podem avaliar a proveniência de textos e, mais importante ainda, integrar a IA de forma responsável no ensino.

1. O que é um texto gerado pela IA?

Um texto gerado pela IA é um conteúdo produzido por algoritmos de Processamento de Linguagem Natural (PLN), como os modelos ChatGPT, Gemini ou Claude. Estas ferramentas foram treinadas em milhões de páginas de internet, livros e artigos, aprendendo padrões de escrita que lhes permitem simular a produção textual humana.

Na prática, um aluno pode:

  • Responder a uma pergunta de exame em segundos
  • Produzir relatórios com linguagem técnica
  • Criar resumos de artigos científicos
  • Reformular textos para melhorar clareza e estilo

Apesar da utilidade, estes textos apresentam características próprias: muitas vezes são genéricos, demasiado corretos e desprovidos de voz pessoal.

2. Porque interessa avaliar a proveniência dos textos?

Avaliar a proveniência não é um exercício policial. O objetivo é garantir que:

  • O estudante desenvolveu competências reais
  • O trabalho reflete a sua aprendizagem e não apenas o resultado de um software
  • A avaliação é justa e proporcional para todos
  • A escola ou universidade mantém padrões de integridade académica

Além disso, no contexto português, surgem preocupações adicionais:

  • RGPD: privacidade no envio de trabalhos para plataformas externas
  • Regulamentos disciplinares: como enquadrar a utilização da IA nos estatutos de cada instituição

3. Limitações reais dos detetores de IA

As ferramentas de "deteção de IA" (GPTZero, Copyleaks, Turnitin, entre outras) prometem identificar textos gerados artificialmente. Mas a realidade é muito diferente:

  • Falsos positivos: textos legítimos, escritos por alunos não nativos ou muito cuidadosos, podem ser injustamente sinalizados
  • Falsos negativos: basta um aluno editar ligeiramente um texto da IA para "enganar" o sistema
  • Model drift: os modelos de IA evoluem mais depressa do que os detetores, tornando-os rapidamente obsoletos
  • Ausência de provas: como resume Geoffrey Fowler no Washington Post, "Com a IA, um detetor não tem qualquer 'evidência' — apenas uma suspeita baseada em padrões estatísticos."

De acordo com o artigo da University of Iowa – The Case Against AI Detectors (2024), confiar nestas ferramentas em contexto educativo pode ser prejudicial:

  • Acusações injustas afetam a confiança e o bem-estar dos alunos
  • A avaliação transforma-se numa prática policial, em vez de pedagógica
  • O risco é maior do que o benefício

👉 Conclusão: os detetores de IA não devem ser usados como árbitros finais. São, no máximo, indícios fracos que precisam sempre de ser confirmados por outros meios.

4. Pistas que podem levantar dúvidas (não provas!)

Em vez de falar em "suspeição" ou atribuir pontos, é mais honesto assumir que o professor pode observar pistas. Estas não provam nada isoladamente, mas podem justificar uma verificação adicional:

🔍 Lista de Pistas (não são provas!)

Estilo uniforme e pouco variado
Linguagem consistente ao longo de todo o texto, sem variações naturais
Uso repetitivo de conectores formais
Expressões como "além disso", "por conseguinte" em excesso
Afirmações demasiado genéricas ou datadas
Informações muito gerais ou fora do contexto atual
Ausência de exemplos pessoais
Falta de ligações ao contexto do aluno ou experiências próprias
Texto demasiado correto
Ausência de erros ou gralhas naturais
Diferença abrupta de qualidade
Mudança face a trabalhos anteriores sem explicação
Entregas muito rápidas
Trabalhos complexos sem versões intermédias
Pistas observadas: 0/7
⚠️ Importante: nenhuma destas pistas é, por si só, prova de uso da IA. São apenas sinais que justificam diálogo e verificação.

5. Como verificar a proveniência: um método em 5 passos

Em vez de confiar em relatórios automáticos, os professores podem adotar uma abordagem prática:

Método de Verificação de Proveniência

1

Pedir rascunhos e versões anteriores

Histórico de versões (Google Docs, Word, Moodle). Conferir consistência: a evolução faz sentido ou surgem blocos de texto demasiado perfeitos?

2

Conferir consistência

O progresso nas versões faz sentido? Há inserções massivas sem edição intermédia?

3

Fazer uma breve entrevista

Pedir que o aluno explique como chegou a certas frases ou fontes (10-15 minutos)

4

Verificar fontes e datas

Estão atualizadas, fazem sentido no contexto português?

5

Decidir de forma proporcional

Em vez de punir sem provas, pedir reformulação ou apresentação oral.

6. Ferramentas de apoio (e os seus limites)

Ferramentas como as seguintes podem ser usadas como apoio complementar, mas nunca como base única:

Como funcionam:

  • Funcionam através da análise de padrões linguísticos (perplexidade, previsibilidade de palavras)
  • Podem ajudar a levantar dúvidas
  • Não devem ser usadas para fundamentar decisões disciplinares isoladas

7. Estratégias pedagógicas para integrar a IA

Mais do que proibir, o futuro da educação passa por integrar a IA de forma responsável.

Algumas boas práticas:

  • Citação da IA: pedir aos alunos que indiquem a ferramenta, o modelo, o prompt usado e a data
  • Trabalhos em etapas: esboço, revisão e versão final
  • Oralidade: combinar escrita com defesas orais curtas
  • Aplicação prática: pedir exemplos relacionados com a vida ou contexto profissional do aluno
  • Literacia digital: ensinar a usar a IA como apoio ao estudo e não como substituto

Modelo de declaração de IA

Estabeleça uma política clara de citação de IA. Quando a IA for usada, o aluno declara:

  • Ferramenta/modelo: ex.: "ChatGPT, GPT-4, setembro 2025"
  • Prompt(s) principais (resumo) e objetivo do uso
  • Trechos gerados que foram mantidos (com edição humana descrita)
  • Fontes humanas adicionais consultadas

Exemplo de declaração:

"Declaração de utilização de IA: Usei ChatGPT, GPT-4 em 15 de setembro de 2025 para gerar ideias iniciais sobre o tópico. Principais prompts: 'Resume as principais teorias sobre aprendizagem colaborativa'. Os parágrafos 2 e 4 foram gerados e editados por mim para correção de factos e estilo. Todas as fontes citadas foram verificadas manualmente."

8. Desafios atuais

  • A IA evolui mais rápido do que qualquer regulamento ou detetor
  • Há sempre ambiguidade: textos humanos de qualidade parecem artificiais
  • Professores precisam de formação em IA
  • As instituições devem definir políticas claras sobre uso da IA

9. Aspetos éticos e legais

  • Privacidade (RGPD): cuidado ao enviar trabalhos de alunos para plataformas externas
  • Justiça: evitar falsos positivos que prejudiquem reputações
  • Equidade: não penalizar alunos não nativos ou com dificuldades específicas
  • Propriedade intelectual: debate ainda em aberto na União Europeia

10. Conclusão

Não existe uma fórmula mágica para "detetar IA". O que existe são pistas, ferramentas de apoio e, sobretudo, a necessidade de repensar métodos de ensino e avaliação.

O papel dos professores não deve ser o de polícias digitais, mas de guia crítico: mostrar aos alunos como usar a IA de forma ética, criativa e responsável.

O futuro da educação não passa por "apanhar" quem usa a IA, mas por ensinar a integrá-la num novo paradigma de aprendizagem.

11. Referência

The Case Against AI Detectors, University of Iowa, 30 de setembro de 2024.

12. Perguntas Frequentes (FAQ)

1. Existe alguma ferramenta que detete a IA com 100% de fiabilidade?
Não. Todas as ferramentas atuais baseiam-se em probabilidades estatísticas e estão sujeitas a falsos positivos e falsos negativos. Nenhuma consegue provar, de forma definitiva, que um texto foi escrito com a IA.
2. O que fazer se suspeitar que um trabalho foi feito com a IA?
Em vez de se apoiar apenas num relatório automático, deve pedir ao aluno rascunhos, versões anteriores ou uma breve explicação oral sobre o processo de escrita. Isto permite avaliar a proveniência do trabalho de forma justa.
3. Usar a IA para trabalhos académicos é considerado plágio?
Depende das regras da instituição. Algumas universidades já exigem declaração de uso de IA, enquanto outras ainda não têm políticas claras. Em geral, usar a IA sem citar a sua utilização pode ser considerado falta de integridade académica.
4. Quais são os riscos de confiar apenas nos detetores de IA?
  • Falsos positivos que podem prejudicar injustamente alunos
  • Clima de desconfiança entre professores e estudantes
  • Violação de privacidade (caso os textos sejam enviados para plataformas externas)
  • Decisões disciplinares erradas, que podem afetar reputações e carreiras
5. Como posso integrar a IA de forma responsável no ensino?
  • Incentive os alunos a citar a IA (modelo, prompt, data e finalidade)
  • Combine escrita com avaliações orais
  • Peça trabalhos em etapas (esboço, revisão e versão final)
  • Oriente os alunos para usarem a IA como apoio ao estudo e não como substituto do seu raciocínio
6. A IA vai acabar com os trabalhos escritos?
Não. A IA obriga a repensar os métodos de avaliação, mas os trabalhos escritos continuam a ser importantes. A diferença é que o foco passa a estar no processo, na capacidade crítica e na reflexão pessoal, e não apenas no produto final.

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