Terrorismo Quântico: Como a Inteligência Artificial Pode Compreender o Inimigo que Não se Vê
Num mundo onde a complexidade se tornou norma e o risco deixou de ser previsível, o ensaio “QUANTUM TERRORISM: Points of Contact Between Modern Physics and the Phenomenon of Contemporary Terrorism”, de Luís Tavares Nunes (Coronel do Exército Português) e Paulo Mónica de Oliveira (Capitão da Marinha Portuguesa), propõe algo ousado: pensar o terrorismo como um fenómeno quântico — e combatê-lo com IA que compreenda incerteza.
Superposição e Incerteza: Quando o Perigo Ainda Não Colapsou
No coração da mecânica quântica está o princípio da superposição: partículas podem existir em múltiplos estados até que uma observação provoque o colapso para um único estado.
De forma análoga, o terrorista contemporâneo não é um perfil fixo. Pode ser, em simultâneo, cidadão, estudante, trabalhador e ameaça em formação. Até ao momento da ação, a sua identidade está “em aberto”.
O desafio atual: o perigo não é visível — é potencial. Por isso, os sistemas de segurança devem mapear probabilidades, não apenas procurar alvos. Tal como em IA, não se identifica apenas o “quem”, mas estima-se o quão provável, em que condições e com que sinais precoces.
IA Pós-Determinista: Modelar Incerteza como Matéria-Prima
Durante anos, a IA aplicada à segurança concentrou-se em predição determinista — perfis, listas de vigilância e dados históricos. Essa abordagem falha em ambientes não-lineares e mutáveis.
Uma nova geração de IA deve operar como modelo probabilístico dinâmico, aprendendo com:
- Microcomportamentos desviantes (ainda legais).
- Padrões de linguagem em mutação.
- Alterações no “clima digital” que antecedem radicalizações.
É a transição de uma IA que “deteta” para uma IA que sente padrões em formação — capaz de operar com informação incompleta e ambígua (p. ex., inferência bayesiana e modelos generativos autoajustáveis).
Entrelaçamento (Entanglement): Células Sem Fios Visíveis
No entrelaçamento quântico, partículas partilham estado à distância. No terrorismo moderno, células radicalizadas operam isoladamente, mas reagem em cadeia. Partilham narrativas, linguagem simbólica e sentimentos de injustiça, amplificados por redes sociais.
Estas ligações não são visíveis no tráfego digital clássico, mas a IA pode reconhecer:
- Co-ocorrência simbólica.
- Padrões discursivos paralelos.
- Reações coordenadas sem coordenação explícita.
Trata-se de uma IA inspirada em física e não apenas em estatística — apta a reconhecer sistemas complexos interligados, mesmo sem canais diretos.
IA como Sistema Sensorial, não Apenas Analítico
Na abordagem tradicional, a IA é “radar”. Na abordagem emergente, deve atuar como sistema nervoso sensorial, absorvendo sinais fracos, detetando ressonâncias emocionais e antecipando condições de radicalização — antes da manifestação da ameaça.
É a diferença entre observar o passado e interpretar o que está prestes a ganhar forma.
Simular, não Prever: O Valor da IA Inspirada na Mecânica Quântica
À semelhança da modelação climática ou de mercados, é possível simular dinâmicas de contágio ideológico e radicalização social com IA que modele:
- A propagação de ideias em redes.
- A reação de grupos sob pressão simbólica/emocional.
- O ponto de viragem em que frustração se torna ação violenta.
Em vez de procurar o “terrorista perfeito”, modela-se a paisagem onde o extremismo germina — intervindo no ecossistema antes da formação de células.
Limites da Metáfora Quântica
Como sublinham os autores, o modelo não é universal. Em conflitos simétricos (ex.: guerra na Ucrânia), com exércitos formais e objetivos físicos, a lógica é mais clássica: desgaste, forças em campo, ocupação territorial.
Já em conflitos assimétricos — ataques em Israel ou atentados inspirados por redes online —, a metáfora quântica mostra-se particularmente ajustada: invisibilidade, descentralização, auto-organização e entrelaçamento emocional.
IA como Ferramenta de Compreensão, não de Controlo
Não se combate complexidade com controlo; combate-se com compreensão. A IA do futuro não será um sistema de comando, mas de escuta, tradução e adaptação.
Num mundo em que inimigos já não marcham em formação, mas se sincronizam por algoritmo e indignação, precisamos de IA que pense como sistema adaptativo.
Tal como na física quântica, não se observa o mundo sem o afetar. Na segurança, a forma como modelamos o terrorismo influencia a forma como ele se manifesta.
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